É madrugada. Hora em que escrevo.
Por que espero a noite? Talvez porque seja o único momento em que me encontro.
Ou reencontro, pois vivo me perdendo dentro de mim.
Apenas a luz de uma vela ilumina o meu quarto.
Som. Suave o bastante para que eu possa senti-lo caminhando pelas minhas veias...Lenta e obstinadamente. Uma paz estranha e lúcida me invade.
Solto os cabelos. Gosto da sensação de liberdade ao senti-los soltos, esquentando minha nuca, descendo pelas minhas costas. Aspiro o suave perfume que se espalha ao meu redor.
Os gatos... Sim, os gatos. Pressentindo a chegada deste momento, deitam e me observam - cientes de seu papel neste ritual quase que diário - olhos brilhantes, refletindo a luz da vela.
Estou pronta.
Ser ainda larval, experimental, que teme entrar em um universo desconhecido.
Em algum beco sem saída.
Começo a escrever e um desejo intenso, agudo, toma conta do meu corpo.
Ah, o que seria de mim sem os rituais ?
Helena Jorge